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‘Depois de Iguala, México deve mudar’, afirma presidente

I was interviewed last week on the new security plan proposed by Mexican President Peña Nieto.  The report (in Portuguese) is below.

por Marina Gonçalves

/ Atualizado

CIDADE DO MÉXICO — Foram necessários dois meses sem notícias dos 43 jovens normalistas desaparecidos da escola de Ayotzinapa, em Iguala — num provável episódio de chacina coletiva envolvendo policiais e narcotraficantes que chocou o país e o mundo — para que o presidente mexicano, Enrique Peña Nieto, anunciasse nesta quinta-feira um amplo plano de reformas na segurança. Um dos principais alvos do programa, com dez pontos, são as polícias municipais, que deverão ser substituídas por forças únicas em cada um dos 32 estados — no lugar das 1.800 locais existentes. Os estados de Guerrero, Jalisco, Michoacán e Tamaulipas, alguns dos mais violentos, serão os primeiros a ter a Polícia Única. No discurso de 15 minutos, Peña Nieto ainda admitiu a “debilidade institucional” na tragédia de Iguala e anunciou que a lei para evitar a infiltração do crime organizado em governos locais será proposta ao Congresso, na segunda-feira.

— Há dois meses o México sofreu um dos atos mais bárbaros e cruéis da sua História. Mas a dor do país não é pretexto para a violência. É o momento de propor soluções. O México é uma sociedade que levantou a voz par a dizer “já basta”. Depois de Iguala, devemos caminhar — afirmou em cerimônia com governadores. — Várias localidades estão em condições de debilidade institucional que permitem aos criminosos corromper suas autoridades. O novo modelo policial passará de mais de 1.800 polícias municipais fracas, que, com facilidade, podem ser corrompidas pela delinquência, a 32 sólidas corporações de segurança estadual.

Ele ressaltou que, pela primeira vez na História, o governo mexicano pediu ajuda à Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Outra das propostas permitirá ao governo assumir o controle dos serviços municipais ou mesmo das prefeituras “quando existirem indícios de que a autoridade local está envolvida com crime organizado”.

Policiais desqualificados

Para Zara Snapp, consultora mexicana sobre políticas de drogas e segurança, claramente o governo está tentando dar uma resposta a uma situação de crise, mas ainda é muito pouco. Ela citou um informe publicado na semana passada sobre o aumento de desaparecimentos — e ignorado pelo presidente no discurso.

Entre janeiro e outubro deste ano foram 5.098 vítimas, maior número de casos denunciados na História do país, segundo dados do Registro Nacional de Pessoas Extraviadas ou Desaparecidas.

— O caso está nos levando a uma discussão importante, mas ainda é uma pequena parte de algo muito maior. Teremos que esperar para ver se uma polícia estadual teria um impacto. Mas o que nos preocupa, no que diz respeito aos direitos humanos, é que não vemos uma mudança substancial na maneira de investigar e culpar. Fazemos reformas e mudanças, mas as vítimas continuam não obtendo respostas, e famílias levam anos buscando seus filhos desaparecidos — explicou ela ao GLOBO, da Cidade do México.

De fato, a reforma proposta nesta quinta não é a primeira a tentar solucionar uma crise de segurança no país. Foram feitos acordos anteriores entre a federação e os estados, e criadas (e dissolvidas) agências como a Polícia Federal Preventiva — corporação civil para reprimir o crime organizado, anunciada em 1998. Por trás dos panos, o novo plano também visa a recuperar a credibilidade do governo, arranhada após a revelação de que uma mansão milionária da primeira-dama Angélica Rivera foi construída por uma companhia que ganhou bilhões em contratos com o governo.

— Expresso meu apoio ao sistema anticorrupção discutido pelo Congresso — disse o presidente, prometendo auditoria especializada para grandes projetos e sanções exemplares a empresas que cometam crimes. — Os governantes municipais que não aceitarem as mudanças receberão sanções.

Uma reportagem publicada pelo jornal “El Universal” mostra que 13% dos policiais municipais mexicanos — o equivalente a 18 mil — não têm os requisitos mínimos para exercer a função. Desses, 67% concentram-se em dez dos 32 estados do país. O resultado joga luz sobre a debilidade das forças de segurança locais, com casos em que mais da metade do contingente de alguns estados não atende ao perfil exigido. Ainda de acordo com o jornal, o salário recebido por 78% deles — 10 mil pesos, o equivalente a R$ 1.800 — contribui para que alguns se associem ao crime organizado que opera em suas regiões.

No anúncio, Peña Nieto se limitou a dizer que o “Estado deve pagar bem” para evitar a corrupção policial. Nas redes sociais, o anúncio da criação do telefone único para denunciar crimes, outro dos pontos do novo plano, foi motivo de deboche. A hashtag #YaMeCanse (”Já estou cansado”) foi uma das mais usadas no Twitter. O presidente também foi criticado pela demora em achar os corpos no caso de Iguala. Ontem, Peña Nieto afirmou que as investigações chegaram “passo a passo” aos responsáveis, e destacou a necessidade de medidas para evitar que tragédias como essa voltem a acontecer.

O anúncio acabou eclipsando outra notícia alarmante: 11 corpos queimados foram encontrados ao lado de uma estrada em Guerrero — muitos deles decapitados. Segundo uma fonte, os corpos, de jovens entre 20 e 25 anos, estavam perto da cidade de Chilapa, próxima à Escola Rural de Ayotzinapa, onde estudavam os jovens desaparecidos em setembro.